Sexta-feira, 16 Maio, 2025
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BELAS MEMÓRIAS: O ovo não se parte pai!(2)

Por Anabela Massingue
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DEPOIS de percorrer as ruas dos bairros Polana, Central e Alto-Maé, de regresso a Malhazine, Vadinho, o vendedor de ovos cozidos, delirava com tudo o que via à sua volta, mesmo tomado pelo cansaço de tanto caminhar e com fome.

Espantavam-no os edifícios, o número de pessoas a circular pelas avenidas e a quantidade de viaturas que nunca tinha visto em Muhetane, Gaza, sua terra natal.

O regresso à casa podia ter sido mais rápido, tomando o meio de transporte do terminal do Museu ao do Malhazine. Porém, restava meia dúzia de ovos no fundo do balde e o recado que recebeu nas suas aulas de iniciação ao negócio de rua, era fazer de tudo para nunca regressar com sobras para casa e isso devia se cumprir à risca.

Mas enquanto olhava para a novidade que o rodeava via também gente comendo. Já se avizinhava o pôr-do-sol, sem que tivesse ingerido algo. Isso o inquietava embora quisesse chegar à casa e receber o relatório de melhor venda do dia, de modo a conquistar confiança da sua patroa.

Mas o maldito bicho que a todos inquieta a cada dia que nasce, revelava-se extremamente exigente e incómodo, de tal modo que Vadinho não resistiu à tentação. Subtraiu, sem autorização, duas unidades de ovos que passavam a ser a sua primeira refeição do dia, acompanhada de água captada na torneira de uma instituição pública. Assim via o seu problema de fome minimizado.

Finalmente sentia-se com energia de poder continuar a procurar os últimos clientes do dia. Há sempre quem a qualquer hora queira comprar algo para comer, esse era o conselho do Manuelito, um dos colegas de trabalho e seu mentor na venda ambulante. Entretanto, do Manuelito faltou uma coisa importante de entre as tantas que transmitia ao recém-chegado: a recomendação de nunca comer a matéria de venda.

Vadinho não era sequer um menino de mão leve e de brincadeiras de mau gosto. Aquela tinha sido obra de circunstância, um imperativo da maldita fome, e também não pensou que pudesse desestabilizar as vendas por causa de duas unidades de ovos.

Nesse instante a sorte o bafejava ao ponto de cruzar com três operários à saída da sua fábrica que solicitaram justamente a quantidade de ovos que restava no balde.

O dia estava feito e não restava nada ao vendedor em forja, senão pedir ao seu mentor que se dirigissem ao “chapa”, de regresso a Malhazine, e assim foi.

Pelo caminho, Vadinho ia soltando arrotos sucessivos até que o Manuelito questionou? Ele explicou que tinha a ver com as duas unidades de ovos que acabava de comer por causa da fome que já era tanta.

“Céus! Isso é algo que nunca devias ter feito. Equivale a um crime capital, pois a tia Madú não te vai perdoar. Ouvido isso, o pequeno ficou chocado, não via mal nenhum em comer somente dois dos tantos que vendeu, mas gradualmente foi ganhando a consciência e dimensão da coisa, com as advertências do seu companheiro e mentor.

O ânimo que o caracterizava se desmoronou, sobrando-lhe apenas as contas do que poderia ser da sua vida, naquela noite, uma vez no acampamento ou sua “nova empresa”.

Chegados à casa o grosso da rapaziada já lá se encontrava e tinha feito as contas do dia, restando-lhe buscar o prato e se aproximar à cozinha para receber um punhado de xima e couve.

Foi primeiro o Manuelito a apresentar as contas e depois ele. O seu semblante denunciava que algo não estava bom. A Madú pensou no pior – que poderia ter ficado sem a receita toda, como resultado do assalto, uma vez tratando-se de um novato na actividade.(…)

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