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Sexta-feira, 29 - Março, 2024

DEFENDE INSPECTORA DO MGCAS: Trabalho social deve ser por vocação

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A INSPECTORA-GERAL no Ministério do Género Criança e Acção Social (MGCAS) defende que um trabalhador social deve ser um indivíduo inspirado pela vocação e não por oportunidade de emprego, pois o técnico social responde a um impulso humano que envolve tempo e generosidade como dividir alegrias, aliviar sofrimentos e melhorar a qualidade de vida de quem recebe o apoio. Falando ao “Notícias”, em jeito de despedida, uma vez que dentro de dias passa à reforma, após anos de trabalho, Carlota Matchaie deixa como conselho à nova geração, a importância de prestar o apoio e assistência social com rigor técnico e clareza do ponto de partida (o problema social apresentado) e seguir o percurso de soluções e responsabilidades partilhadas entre o profissional e o indivíduo, família, comunidade e outros envolvidos. Carlota Matchaie aponta como parte dos desafios da instituição que viu nascer, o investimento profissional do sector através de formação de qualidade do pessoal de carreira específica e educação de infância, assim como o fortalecimento dos sistemas de planificação e gestão para garantir a qualidade técnica, construção e expansão das infra-estruturas de prestação de serviços.

NOTÍCIAS (Not.) – O que é ser inspectora-geral no Ministério do Género, Criança e Acção Social?

CARLOTA MATCHAIE (CM) – Ser inspectora-geral de um ministério significa, para mim, muita responsabilidade, sobretudo, numa instituição com vários desafios como a nossa, que visam garantir a harmonia social e acima de tudo o respeito pela dignidade humana, abordando questões delicadas e sensíveis.

Not. – Pode indicar os principais desafios do sector de inspecção no MGCAS?  

CM – O maior desafio nesta área é a necessidade de estar adoptado de quadros qualificados com conhecimentos profundos do sector do Género, Criança e Acção Social, a capacitação permanente dos mesmos por forma a responder às actuais dinâmicas, e ter domínio das áreas e dos processos, incluindo os dispositivos legais vigentes e dos recursos materiais e financeiros.

Not. – Pode-se dizer que o sector não tem quadros suficientes e capacitados para responder às actuais dinâmicas?

CM – Temos quadros qualificados, mas precisamos reforçar, pois a exigência é maior, tendo em conta a dinâmica dos fenómenos sociais, bem como o contexto nacional e internacional na adopção de políticas e programas que respondam às novas abordagens.

Not. – Refere-se a quadros específicos da Acção Social ou de diferentes áreas do ministério?

CM – Não diria que é só na assistência social e educadores de infância, mas sim, o ministério precisa de equipa multidisciplinar, tais como psicólogos, sociólogos, dentre outros especialistas, pois o sector aborda questões transversais, o que significa que precisamos de preencher o nosso quadro de pessoal, privilegiando as áreas específicas.

Not. – Como a inspecção aborda a questão de crianças, pessoas idosas e com deficiência que por falta de condições, encontram a rua, lugar para a sua sobrevivência?

CM – Falar de pessoas de rua ou na rua, estaríamos a dizer de acções isoladas, pois pela natureza das nossas atribuições, temos unidades orgânicas e órgãos locais ou descentralizados que actuam no terreno, pelo que, como inspectores fazemos a verificação da implementação de um conjunto de instrumentos. Tendo em conta que a questão da mendicidade não cabe simplesmente ao Governo, a sua erradicação, requer a participação da sociedade no seu todo (família e comunidade). O ministério deve apostar na reintegração social e na avaliação do impacto dos programas.

Not. – Sendo alguém que está no ministério desde a sua criação, participou na elaboração de políticas, acredita na erradicação da mendicidade?

CM – Acredito que, paulatinamente, com acções coordenadas entre a família, o Governo, sociedade civil e o empresariado é possível reduzir os índices. Como disse, não é apenas tarefa do Governo, a família é fundamental. O facto é que o idoso, a criança, pessoas com deficiência, a mulher vulnerável que vai à rua tem família, filhos, netos, etc. Está a virar moda deixar tudo para o Governo, mas nós, como Acção Social, reiteramos que o apoio da família é indispensável.

Dez anos sem admissões de técnicos de Acção Social

Not. – Disse que o sector da Acção Social não admite novos quadros há 10 anos. Porquê?

CM – É mesmo pela conjuntura nacional, no geral não há admissões.  

Not. – Em termos práticos, o que isso significa para o funcionamento normal da instituição?

CM – Não é só o Ministério do Género, Criança e Acção Social que não faz admissões, o contexto assim o exige, de uma maneira geral a Função Pública não está a admitir novos quadros, o que significa que há muito trabalho a ser executado por poucos funcionários. De realçar que, com poucos recursos humanos existentes, procuramos responder à demanda.

Not. – Há formação de quadros nesta na área da Acção Social?

CM – Há formações sim, temos os exemplos da Universidade Eduardo Mondlane, da Universidade Pedagógica (UP) que está a formar educadores de infância e do Instituto Maria Mãe África e da Universidade Politécnica, que formam técnicos da Acção Social, entre outros.

Not. – Até que ponto esta falta de admissão do pessoal da Acção Social pode afectar ou não os infantários e centros que acolhem os idosos?

CM – Ainda não temos problemas, os quadros afectos aos infantários e aos centros de apoio à velhice têm redobrado esforços para responder às necessidades dos beneficiários.

Not. – Será por isso que o Governo defende que o melhor espaço para a criança e o idoso é no seio familiar?

CM – Não é por isso. Mas a política da Acção Social defende a não institucionalização tanto do idoso como da criança, porque na família é o melhor lugar, em todos os aspectos. Por exemplo, no infantário não tem a transmissão de valores da família nuclear, aqui os valores são passados pelas tias e cada tia tem os seus. Mas, também é verdade que as crianças dos infantários têm uma vida muito regrada e num ambiente protegido.

Not. – A persistência de mendigos nas ruas estará associada à falta de quadros da Acção Social?

CM – Não! Sobre esta situação temos que responsabilizar a família e não quadros da Acção Social, porém muitas acções têm sido realizadas pelo sector.

 Existe uma certa resistência, pois enquanto continuarmos a trabalhar para acabar com o fenómeno, algumas famílias continuam a rejeitar as crianças, pessoas com deficiência e idosos, com muitas alegações. Como sector, existe um trabalho de sensibilização e advocacia, com vista a tratar as pessoas com dignidade, porém apesar destas acções algumas pessoas ainda continuam a dar esmola e, sem querer ferir sensibilidades, o dar esmola na rua em nada dignifica a pessoa, apesar de reconhecer que algumas dão na melhor das intenções.

Not. – E em termos de políticas de protecção de grupos vulneráveis, como a instituição está?

CM – O nosso ministério tem políticas à altura, com uma aplicação satisfatória.

Not. – Pode indica-las?

CM – Política de Género e Estratégia de sua Implementação; Política da Pessoa Idosa, Política da Acção Social; Estratégia Nacional de Segurança Social Básica, entre outras.

Uma vida que se confunde com Acção Social

Not. – Fale-nos um pouco da construção da sua carreira. Desde o início aos dias de hoje?

CM – A minha vida profissional foi marcada por vários momentos, muita correria e algum sacrifício. Iniciei a minha vida profissional no Infantário 1.o de Maio, na cidade de Maputo, instituição que acolhe crianças órfãs e abandonadas em situações mais delicadas. Comecei como servente, especificamente como educadora vigilante, que se equipara a auxiliar dos educadores e apenas com 4.ª classe de escolaridade.  Como educadora vigilante, a minha tarefa consistia em ocupar as crianças nos tempos livres, e educá-las para a vida, incluindo os bons hábitos de higiene.

Not. – Então formou-se nessa área?

CM – De 1983 a 1985 – formação básica, curso de Agente de Puericultura e Educação de Infância, fiz o nível básico porque só ia até 6.a classe, mas o meu objectivo era chegar à Educadora de Infância, porque como disse, no início da conversa, iniciei a minha carreia no infantário como servente e naquela altura para trabalhar no infantário, para além do pessoal de apoio, era necessário pessoal técnico formado na área específica. Mais tarde fui seleccionada para frequentar o curso de Agente de Puericultura e Educação de Infância.

Not. – Aí já estava a caminhar para a concretização do seu sonho?

CM – Sem dúvida. Fiz o curso em dois anos e meio e logo passei para o estágio integral no Centro Infantil do Hospital Central de Maputo, que acolhia crianças dos 0 aos 5 anos, filhos de trabalhadores da Saúde. Mais tarde fui indicada como responsável pedagógica no Centro Infantil Número 2, e depois passei para directora do mesmo. Nesse percurso continuei com os meus estudos, tendo concluído o nível médio do curso Técnico Profissional de Acção Social e, pelo desempenho demonstrado, novamente fui transferida para o Infantário 1.o de Maio, como directora do centro, numa altura em que o país já começava a ressentir-se dos efeitos do crescimento de casos sociais, como resultado da guerra dos 16 anos.

Not. – Quando é que passa a trabalhar no ministério?

CM – Logo que conclui o curso médio em Acção Social fui transferida do infantário para o ministério e afecta à área da Inspecção-Geral. Estopu nesta desde 1996. Porque o meu sonho continuava, de 2004 a 2009 fiz o curso de licenciatura em Filosofia, especialização em Recursos Humanos e Ética, pela Universidade São Tomás de Moçambique. De realçar que, em Março de 2005 perdi o meu saudoso esposo, ficando com as minhas cinco filhas, daí os desafios eram maiores, característica dominante em quase todo o meu percurso profissional, onde tinha que ser profissional, ser estudante, mãe e pai ao mesmo tempo. De 2008 a 2011, fui directora nacional adjunta da Mulher, cargo que assumi como um crescimento profissional, e de 2011 a 2013 inspectora-geral adjunta, e de 2013 até então assumo o cargo de inspectora-geral.

Not. – Foram momentos de grandes desafios?

CM – Sim. Durante o meu percurso passei por muitos desafios, a destacar o momento no qual o país estava em construção, onde havia necessidade de criação de instituições como o caso em concreto do nosso ministério, que passou por várias fases, desde a Direcção Nacional de Acção Social no Ministério da Saúde, secretaria do Estado até ao nível em que chegamos hoje, a existência de um ministério.

Not. – Já no momento de adeus pode-se considerar uma mulher abençoada?

CM – Posso dizer que Deus me abençoou, pois grande parte dos meus sonhos foram realizados. A humildade, a simplicidade e vontade de querer aprender, me ajudaram a crescer de certa forma.

Not. – Acha que deixa legado no ministério?

CM – Acho que sim. Deixa-me explicar que, ao longo do meu percurso profissional fiz parte dos técnicos que dinamizaram acções para a afirmação da instituição, bem como participei na elaboração de diferentes instrumentos sectoriais, a destacar a Política da Acção Social; criação do Instituto Nacional da Acção Social (INAS, IP); Política de Género e Estratégia de sua Implementação; a Lei de Promoção e Protecção dos Direitos da Pessoa Idosa, sem deixar de referir a criação e implantação da área de Inspecção-geral a nível nacional; a integração dos técnicos de Inspecção na carreira de Inspector; a aprovação do Manual de Procedimentos para a Inspecção Técnica; e está em curso o desenho dos qualificadores da área específica.

Not. – Pode partilhar os momentos marcantes durante a sua carreira?

CM – O primeiro grande momento foi ver o ministério a crescer. Como disse, éramos uma Direcção Nacional no Ministério da Saúde, passamos para secretaria do Estado e depois ministério. Acima de tudo, sinto-me honrada quando hoje vejo dois jovens, que recebi no infantário quando entraram bebés, uma trabalhando na área social e fazendo o curso de licenciatura em Psicologia Social e outro casado, pai de duas meninas e fazendo curso de licenciatura em Língua de Sinais.

Not. – Qual deve ser o perfil de um trabalhador da área social?

CM – Deve ter vocação; prestar o apoio e assistência social com rigor técnico e clareza do ponto de partida (o problema social apresentado e seguir o percurso de soluções e responsabilidades partilhadas entre o profissional e o indivíduo, família, comunidade e outros); separação clara de intervenção de assistência entre necessidades, carência da intervenção pela advocacia dos direitos; separação clara das necessidades do fórum material e financeiro de fórum emocional e efectivo; muita atenção na documentação da história social para compreensão do passado e presente para se reflectir melhor nas soluções em relação ao indivíduo e deve haver observância da supervisão pelos técnicos sénior para com o novo.

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