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Sexta-feira, 29 - Março, 2024

REDUÇÃO DE ENLACES PREMATUROS EM MOTAZE: Quando a união faz a força

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A OCORRÊNCIA de uniões prematuras envolvendo estudantes tem vindo a baixar em Motaze,  província de Maputo, resultado, em parte, da implementação da Lei de Prevenção e Combate a esta prática aprovada em 2019.

Em tempos, a Escola Primária Completa (EPC) de Motaze, posto administrativo do distrito de Magude, registava, em média anual, 25 desistências de meninas, muitas delas porque ficam grávidas e eram obrigadas a ir ao lar apesar da sua idade.

Eram momentos em que, segundo Carlos Ubisse, 79 anos, assistia-se a situações “gritantes” de uniões prematuras envolvendo menores de 17 anos. Porém, nos últimos anos, os casos têm vindo a baixar, fruto do envolvimento de todos no combate a esta prática, incluindo as lideranças comunitárias.

Ubisse explica que, quando a menina abandona a escola devido a união prematura, as lideranças locais levam o caso à Polícia. Esta intervém e obriga a rapariga a voltar à casa dos pais e à escola, e é-lhe explicado que só deve viver maritalmente após completar 18 anos.

Para as que já completaram a maioridade, as lideranças incentivam as famílias a deixá-las frequentarem a escola mesmo estando no lar, o que, segundo Ubisse, tem tido aceitação e apoio da maioria dos pais e encarregados de educação, que já percebem a importância do ensino para os seus filhos, em particular da rapariga.

“Nós, como pais, não concordamos em ver crianças no lar. Na altura, nós casávamos com alguém que era considerada ‘tombi ou iati’ (moça). Mas hoje muitas raparigas se perdem naquilo que chamam de namoro, que culmina em gravidez, o que as abriga a ir para o lar ainda novas”, lamentou Pedro Nguenha, régulo do bairro Dois, na localidade-sede de Motaze.

Para Nguenha, a Educação tem criado facilidades para que as raparigas se mantenham na escola, permitindo que, mesmo grávidas, continuem a estudar no curso diurno, por isso apela aos pais para aconselharem as filhas a não abandonarem a escola mesmo sendo gestantes.

Primeira-dama quer ver meninas na escola

PARA proteger as crianças desta prática, o Governo aprovou, em 2019, a Lei de Prevenção e Combate às Uniões Prematuras, que prevê sanções para todas as pessoas envolvidas, incluindo prisão efectiva.  

Além disso, várias acções decorrem para a eliminação desta prática, que incluem a atribuição de incentivos para que as meninas se mantenham no ensino, entre os quais oferta de material e uniforme escolar, prevendo-se abranger 600 mil alunas através do  programa “Eu sou capaz”, que está a ser desenvolvido pela Secretaria da Juventude e Emprego.

No início deste mês, a esposa do Presidente da República, Isaura Nyusi, entregou infra-estruturas escolares para contribuir na melhoria do ensino e aprendizagem para alunos da EPC de Motaze. Trata-se de três salas de aula, sanitários convencionais e um sistema de abastecimento de água.

Isaura Nyusi falou da importância do ensino para o país e exortou as famílias a deixarem as crianças, sobretudo as raparigas, frequentar a escola para que se tornem mais úteis à sociedade.

“Estou ciente de que desta escola sairão os futuros profissionais do país, entre os quais professores, médicos, enfermeiros. Apelamos à comunidade escolar e à população para que conservem devidamente estas infra-estrutursa de modo a servirem a mais crianças do distrito”, afirmou.

Marta André Cossa, 14 anos, e Rostélia Meque, 15 anos, frequentam a 9.ª classe na Escola Secundária de Magude, em turmas instaladas em salas anexas à EPC de Motaze. Elas sabem do impacto das uniões prematuras e gravidezes não planificadas na vida das raparigas, por isso apostam na abstinência sexual.

“Quando chegar o momento de começar a namorar, optarei pelos métodos de prevenção da gravidez. Quero continuar com os estudos e seguir o meu sonho de ser polícia”, disse Marta, que tem aprendido sobre saúde sexual e reprodutiva de sua mãe e dos professores.

Rostélia, que estuda para ser enfermeira, encoraja os adolescentes e jovens que já iniciaram a actividade sexual a usarem o preservativo para evitar que sejam mães ou pais antes de estarem preparados para tal, mas também para se prevenirem de infecções de transmissão sexual (ITS).

“Converso muito com a minha mãe sobre a sexualidade. Para além disso, os professores aconselham-nos a adiar o namoro, sobretudo o início de relações sexuais”, sublinhou Rostélia.

Acção da equipa multissectorial

A EXISTÊNCIA de uma equipa de referência multissectorial no combate a uniões prematuras em Motaze tem sido fundamental para a redução de casos deste fenómeno nas escolas, segundo Adélia Macicane, directora distrital de Educação de Magude

É uma equipa constituída por uma procuradora e pontos focais de género da Educação, Polícia e Saúde, este último responsável por assuntos sociais.

“Sempre que notamos casos de união prematura, damos seguimento e conseguimos devolver a rapariga à escola. Àquela que se encontra no ensino secundário, oferecemos material escolar, enquadramos na família ou no centro internato”, explica Adélia Macicane.

A Educação em Magude tem trabalhado com centros de interesse instalados em todos os postos administrativos do distrito, que já ofereceram máquinas de costura e o respectivo material, como tecidos, linhas, agulhas, para apoiar na retenção da rapariga na escola.  

“Estamos a perceber que a rapariga está empenhada em se formar. No total, recuperámos 15 meninas de uniões prematuras e, há bem pouco tempo, foram três, uma das quais já vivia na Moamba”, disse Macicane.

Motaze é um posto administrativo com 9262 habitantes que vivem em três localidades. Possui um centro de saúde, serviços de educação, água e posto policial.

Para o chefe do posto, Armando Américo Mabule, Motaze está num bom caminho.

“Os casamentos prematuros já foram problema aqui, mas há um tempo, com o nosso trabalho de mobilização e sensibilização, conseguimos praticamente reduzir os casos”, comemora  Mabule.

Referiu que as meninas envolvidas em uniões prematuras não chegaram a perder o ano lectivo, pois a equipa multissectorial age a tempo de devolvê-las à escola o mais rápido possível.

Segundo o chefe do posto, poucas são as meninas que engravidam em tenra idade, graças ao trabalho conjunto das lideranças locais e organizações da sociedade civil, que têm dado palestras sobre saúde sexual e reprodutiva, ajudando os  jovens a prevenirem-se da gravidez não planificada, assim como de infecções sexualmente transmissíveis.

Divulgar mais a lei

APESAR da realidade vivida actualmente em Motaze, Moçambique tem uma das taxas mais altas de uniões prematuras do mundo, quase uma em cada duas raparigas, e tem a segunda maior taxa da África Oriental e Austral.

Dados do Inquérito Demográfico de Saúde (IDS, 2011) estimam que 48 por cento das mulheres em Moçambique com idades entre os 20 e os 24 anos já foram casadas ou estiveram numa união antes dos 18 anos e 14 por cento antes dos 15 anos.

Para o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), a união prematura põe em perigo as raparigas, pois, estando casadas, sofrem maiores abusos, violência doméstica, incluindo abuso físico, sexual ou psicológica, e abandono.

“Este é um assunto que nos preocupa como activistas dos direitos humanos, em particular das mulheres”, refere Rafa Machava, directora-executiva da Associação Mulher Lei e Desenvolvimento (MULEIDE).

Por isso, a MULEIDE, parceira da Rede de Comunicação e Desenvolvimento das Mulheres Africanas (FEMNET), organizou recentemente, em Maputo, uma formação de diferentes actores e activistas dos direitos humanos sobre uniões prematuras.

Segundo Machava, pretende-se que a Lei de Prevenção e Combate a Uniões Prematuras seja do domínio de todos, por isso os formandos saíram com a missão de partilhar os conhecimentos adquiridos nas suas comunidades, capacitando outros actores para que, de facto, Moçambique saia da lista dos países com elevadas taxas de uniões prematuras do mundo e da região austral.

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