António Foguete
NOS últimos dias, uma frase simples — “não tenho muito a alongar” — ganhou vida própria nas redes sociais moçambicanas. Tornou-se “meme” (piada), manchete, motivo de indignação e até símbolo de um certo desencanto com a política nacional. A autoria é de um dos recém-eleitos deputados da Assembleia da República, do partido Podemos.
O caso talvez não tivesse provocado tanto barulho se o protagonista e o seu colega de bancada não fossem os mesmos que, durante meses, foram dados como “desaparecidos” e, segundo rumores que circularam, até considerados mortos, desde o início do presente ano parlamentar, prestes a terminar. Nove meses depois da investidura oficial dos representantes dos moçambicanos na Assembleia da República, os jovens deputados apareceram de forma inesperada para tomar posse, como que ressuscitando, metaforicamente, tanto as suas carreiras políticas como o debate sobre o tipo de representantes que temos no parlamento.
Durante a cerimónia, ao ser convidado a falar, um dos jovens deputados proferiu apenas a frase que viria a catapultá-lo para a fama: “Não tenho muito a alongar.” Uma intervenção curta, sem conteúdo substancial, mas suficiente para incendiar o espaço público.
Nas redes sociais, a reacção foi imediata. Uns acharam graça. Outros consideraram um insulto à seriedade da Assembleia da República. Apresentadores de televisão e analistas políticos não pouparam críticas, apontando a frase como reflexo do despreparo e da falta de consciência do papel que o cargo exige.
Por outro lado, há quem veja no fenómeno uma espécie de espelho social. Afinal, quem elegeu estes jovens? Não terão sido as mesmas pessoas que hoje os ridicularizam? A política, tantas vezes reduzida a espectáculo, parece agora colher os frutos de uma escolha feita entre o entusiasmo e a desatenção.
Os dois deputados do Podemos, ambos jovens, ingressam no Parlamento sob olhares de desconfiança. As suas faixas etárias, que deviam representar frescura e inovação, são paradoxalmente vistas com descrédito. Muitos internautas perguntam-se se estamos diante de um episódio cómico ou de um retrato preocupante da nossa democracia.
No fim das contas, a frase que hoje circula como piada carrega um peso simbólico maior. “Não tenho muito a alongar” pode ser lida como confissão involuntária de uma política que fala pouco, explica menos e, muitas vezes, não diz nada quando pensa que disse tudo.
Talvez o que o país mais precisa seja de representantes que tenham, sim, muito a alongar, sobretudo quando o assunto é a confiança do povo que os elegeu.
O que deixa desconfortáveis os internautas face à postura destes dois actores do actual cenário político moçambicano parte das dificuldades de se expressarem, do medo de encarar os seus interlocutores e da falta de postura e compostura demonstradas.
Afinal, quem votou neles? Quem depositou o seu voto para que estes jovens tivessem assento garantido na Assembleia da República? Os seus eleitores estavam cientes de que estavam a votar em indivíduos com esta postura? Ou votaram sob condições de pressão psicológica, e de forma inconsequente? Se calhar é tempo de prestarmos atenção antes de confiarmos o nosso santo voto a um indivíduo.
O que se vai ouvindo nas esquinas da política é que estes deputados nunca estiveram desaparecidos nem em lugares incertos. Acredita-se que alguém, certamente, sempre soube onde estavam e onde podiam ser encontrados. Ou pelo menos é razoável pensar assim. A pergunta que não quer calar é: se realmente pertencem a um partido sério, por que razão o próprio partido não os procurou? Por que não se emitiu um comunicado oficial nos jornais, nas rádios, nas televisões, a manifestar preocupação com o seu alegado desaparecimento? Se eram dados como mortos, nove meses teria sido tempo suficiente para serem emitidas certidões de óbito, e o seu reaparecimento deveria carecer de alguma prova legal de que realmente haviam desaparecido. Afinal, não se trata de galinhas, nem patos, nem cabritos. Desapareceram dois cidadãos que pagam impostos neste país.
Como diria o antigo Presidente da República Armando Guebuza, “há muita poeira”, e de facto há.
Diante destas questões, há quem desconfie que tudo não passou de uma encenação política, que os jovens foram, na verdade, ocultados e impedidos, pelo próprio partido, de exercer o direito que os seus eleitores lhes confiaram. O seu “sumiço” teria servido mais como argumento estratégico do que como facto real. Talvez o partido se tenha arrependido de os incluir nas suas listas, ou tenha sentido vergonha dos seus próprios membros.
Será que o silêncio do partido face a este “sumiço” foi apenas uma forma de os afastar, sem admitir publicamente um erro de cálculo político?
Do lado dos eleitores, as perguntas não são menos desconfortáveis. Será que sabiam em quem estavam a votar? Conferiram, informaram-se, reflectiram antes de escolher? Ou votaram por impulso, movidos por apaixonites, desinformação ou simples fadiga política?
É legítimo questionar se os que votaram neles conseguem ver os seus interesses representados. Podemos esperar uma contribuição útil destes deputados?
Mesmo com a “indução parlamentar” que a Assembleia oferece aos novos membros, parece difícil acreditar que isso baste para lhes dotar da postura, maturidade e consciência política necessárias para o cargo.
Mas, no fundo, este episódio vai muito além de dois nomes. Ele revela o resultado de um voto feito de cabeça quente, movido pela raiva, pela emoção ou vingança política. Quando se vota sem pensar, sem conhecer os candidatos, os efeitos podem ser graves e, por vezes, irreversíveis.
O voto é um acto sério; é a expressão máxima da nossa confiança no futuro.
Se não pensarmos bem antes de votar, corremos o risco de eleger o improviso, de transformar a Assembleia num palco de surpresas e de, mais tarde, lamentar escolhas feitas de forma precipitada.
Por isso, antes do próximo sufrágio, talvez devêssemos todos reflectir com calma. Saber quem são os candidatos, o que defendem, o que já fizeram e qual é a sua vida política.
Porque, no fim, quando o espectáculo acaba e os “não tenho muito a alongar” ecoam pelas redes sociais, a responsabilidade é de todos nós, eleitores incluídos.
Não tenho muito a alongar.


