Quinta-feira, 2 Maio, 2024
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Literacia mediática como estratégia para a eficácia da comunicação pública (Concl.)

Por Jornal Notícias
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Júlio Manjate*

IV. COMUNICAÇÃO PÚBLICA, CONHECIMENTO E DESENVOLVIMENTO

CHEGADOS aqui, permitam que me chame a este meu texto excertos da aula inaugural proferida há alguns anos pelo Professor Thandika Mkandawire[1], na Escola de Economia e Ciência Política de Londres, intitulada “Running while others Walk: Knowledge and the challenge of Africa´s development”. 

Na verdade, o desafio de “correr enquanto os outros caminham” já tinha sido colocado aos africanos pelo antigo presidente tanzaniano, Julius Nyerere, citado num trabalho de William Smith, publicado em 1972. Do que salta à vista, todos eles alertam para a necessidade de o continente africano acelerar o passo na sua caminhada pós-colonial.

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Na sua palestra, o Professor Mkandawire recuperou este pensamento para destacar que o desenvolvimento de África não deve ser visto como uma mera externalidade, e sim como uma consequência, como resposta aos imensos desafios que o continente enfrentou ao longo de anos e que continua a enfrentar na actualidade.

Segundo o Professor, a necessidade de África correr enquanto os outros caminham, teria de ocorrer contra todos os discursos pessimistas que sempre insistiram na ideia de que o continente não pode fazer o que outras regiões fizeram, ou continuam a fazer…

Nas suas recomendações, ele alerta para a necessidade de se repensar radicalmente as instituições que têm a responsabilidade de providenciar respostas colectivas aos desafios de geração e domínio do conhecimento. Para ele, cabe sobretudo às universidades a responsabilidade de ficar no eixo deste esforço. 

“As universidades não devem esperar pelas iniciativas dos governos e dos doadores. Ao invés disso, devem procurar formas de criar espaços para interagir umas com as outras, o que implica inovações sistemáticas para dinamizar a caminhada… e se África precisa correr enquanto outros caminham, então as universidades devem fazer um sprint!” (Mkandawire, 2011).

Tal como muitas outras em África, a sociedade moçambicana há muito que reclama uma participação mais responsável dos seus cidadãos. Cabe a nós, como Academia, influenciar essa participação, encabeçando iniciativas concretas de educação para os média e para a cidadania.

A pergunta que não quer calar e que deixo aqui para a nossa reflexão é: Como assegurar que isso aconteça numa realidade em que as opiniões que fazem o debate público são tendencialmente mal informadas ou simplesmente manipuladas e assentes em bases movediças?  

V.     CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desafio é enorme porque corre contra nós o fenómeno das redes sociais que, segundo estatísticas das Nações Unidas, até finais de 2021 ligavam cerca de 4.5 biliões de pessoas no mundo, sendo que só o Facebook, considerada a maior rede social, movimentava 2.7 biliões de pessoas, na sua maioria jovens com idade inferior a 25 anos[2],7.

Mais do que estatísticas, estes números alertam-nos sobre o perigo que há de cada vez mais jovens e adolescentes estarem expostos ao impacto negativo das redes sociais, pela capacidade que elas têm de veicular conteúdos ficcionados ou manipulados.

Ignacio Ramonnet, conforme citado em Pereira (2011), traz uma abordagem animadora ao considerar que, quanto mais a sociedade investir na construção de uma cidadania mais esclarecida, mais rapidamente se assistirá à constituição de uma espécie de “quinto poder”, capaz de regular o chamado “quarto poder” atribuído aos média.

O papel da comunicação nesta fase da nossa caminhada (ou se quisermos da corrida) é ajudar a sociedade a compreender que a realidade hoje comunicada pelos média é cada vez mais construída pelo discurso e pela representação. Compreender isto, vai ajudar o cidadão a ser mais comedido na escolha, entre a informação disponível, aquela que deve orientar as suas convicções e decisões.

O papel da comunicação, hoje, é ajudar o cidadão a entender que a forma e sentido que a informação assume é imagem da motivação que ela própria desencadeia. Ou seja, e citando o Professor Adriano Duarte Rodrigues (…) “nós vivemos num mundo que construímos através da linguagem, ou, se quisermos, da comunicação…”

Colocadas as coisas nesta perspectiva, resulta clara a importância de se incentivar a educação para os média que, na minha opinião, deve começar mais cedo, nas escolas, no ensino básico. Se necessário, partamos agora para a adopção de medidas compulsórias, ao nível dos conteúdos curriculares, de modo que o debate sobre a comunicação comece o mais cedo possível entre os cidadãos.

A missão da escola deve incluir ensinar as crianças, adolescentes e jovens a serem responsáveis pelos conteúdos que geram e colocam à disposição no espaço público através das plataformas digitais.

“Se as crianças não tiverem as competências para avaliar criticamente a média e a informação, elas estarão mais suscetíveis à potencial influência negativa da informação e do conteúdo mediático e menos preparadas para aproveitar as oportunidades.”

Numa outra dimensão, as instituições de ensino, sejam públicas ou privadas, precisam abrir-se mais à comunidade para alargar o campo de ensino-aprendizagem das novas experiências.

Tal como defende Pereira (2011), a literacia mediática é, ela também, uma dimensão da cidadania.

  • REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
  • Lopes, P. (2011). Literacia Mediática e Cidadania. Perfis de estudantes universitários da Grande Lisboa. In: “Congresso Nacional Literacia, Media e Cidadania (pp. 449-462)”.
  • Kirsch, I.S., Jungeblut, A., Jenkins, L., & Kolstad, A. (1993). Adult literacy in America: a first look at the findings of the National Adult Literacy Survey (NCES 1993-275). US Department of Education, Office of Educational Research and Improvement. National Center for Education Statistics, Washington, DC
  • Mkandawiri, T. (2011). Running while others walk:  knowledge and the challenge of Africa´s development. Africa Development, 36(2),1-36.
  • Lopes, P. C. (2011). Literacia (s) e literacia mediática. Repositório iscte-iul.pt
  • Benavente,A., Rosa,A., Costa,A.F.D., & Ávila,P. (1996). A literacia em Portugal: resultados de uma pesquisa extensiva e monográfica. Fundação Calouste Gulbenkian.
  • Pereira,L. (2008). Gonnet,J. (2007). Educação para os Media: As controvérsias fecundas. Porto. Porto Editora. Comunicação e Sociedade,13,149-151.
  • Lyman, H.H. (1979). Literacy education as library community service.
  • UNESCO (1982), Grunwald Declaration on Media Education
  • Zacchetti,M. (2011), “Literacia mediática: uma abordagem europeia”, comunicação apresentada ao Congresso Literacia, Media e Cidadania, Braga.
  • Moraes, D. D. (2003). O capital da mídia na lógica da globalização. Por uma outra comunicação. Rio de Janeiro: Record, 187-216.
  • Marcondes, C. (2002), A saga dos cães perdidos. São Paulo. Hacker Editores

*Jornalista e Docente Universitário. Comunicação apresentada no Seminário de Comunicação da Universidade Eduardo Mondlane (Agosto.2022)


[1] Economista e intelectual público malawiano, falecido em Março de 2020

[2] Digital 2022 Global Overview Report

7 Em 2023 o número total de utilizadores das redes sociais atingiu os 4.7 biliões, na sua maioria jovens entre os 20 e 29 anos de idade. Segundo o Digital 2023 Global Overview Report, as mulheres são as que mais tempo investiram diariamente nas redes sociais, comparativamente aos homens, com uma média de 03h:11minutos por dia entre raparigas dos 14 aos 24 anos;  02h:56 minutos entre mulheres da faixa etária dos 25-34 anos, 02h:33 minutos na faixa dos 35 aos 44 anos; 02h:08 minutos entre mulheres dos 45 aos 55 anos e 01h;40 minutos entre mulheres dos 55 a 64 anos de idade.

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