Ontem foi um daqueles dias de calor intenso na capital do país. Literalmente não deu para pensar. Os nervos pareciam em ebulição. Da cabeça jorravam torrentes de suor fazendo lembrar o vulcão quando expele lava ardente que pelo caminho tudo destrói.
O calor de ontem teve o condão de destruir a minha vontade de escrever. Os meus neurónios não estavam a colaborar com o meu desejo de lavrar algumas linhas CÁDATERRA.
Pior de tudo, na véspera descobri que um mal intencionado tirou-me a “Vuvuzela” com a qual sempre festejei os “dérbis” de cá e de acolá. Ontem havia um dérbi por festejar e os malandros, sabendo dos meus amores, preferiram tirar-me a minha arma da alegria, do sopro de felicidade.
Mais ainda, nesta derradeira semana o chamamento volta a soar para aqueles que amam a sua terra para não se alhearem ao processo magno, aquele que vai deixar marcas nas nossas vidas nos próximos cinco anos.
Acho que os malandros que me sacaram a “vuvuzela” adivinharam os meus pensamentos. Tiraram a minha vuvuzela vermelha para encarcerar a minha vontade de mais uma vez me juntar à festa, tal qual o faço quando há um dérbi, em que calha estar do lado dos mais fortes, dos vencedores.
Mas é do quase inferno que falava. Hoje Tete vai experimentar a sua proximidade com o inferno. Aquilo ali vai ser para doer. Para torar ovo ao sol. É que 44 graus centígrados não é pouca coisa.
É sempre difícil viver no quase inferno. Estes últimos dias foram bem férteis em episódios que fazem recordar a crónica em que fala de Chingodzi, que aos 42 graus de temperatura mais se parecia uma sucursal do inferno.
Está a ficar claro que os tempos são outros e o aquecimento global não está a poupar, com alguns graus celsius acrescidos a cada ano.
Chingodzi é um próspero bairro de expansão do outro lado do rio Zambeze que se supõe que tenha milhões de toneladas de carvão mineral no seu subsolo.
Aqui a secura e o calor são, em algumas épocas do ano, o pão nosso de cada dia, deixando quase em chamas o chão tórrido e poeirento.
Já passam dois, três meses sem chuva significativa, salvo algumas raras excepções. Dificilmente vemos nuvem gotejando esperança.
São nove horas, mas pelo calor parece até que é meio-dia. Há gente que anda por cinco minutos e já está a derreter. As mulheres sofrem com a maquiagem borrada, porque não adianta, não há produto que resista.
Os ambulantes estão por aí oferendo “gelo” doce derretido que nem basta para refrescar a garganta. No “Chapa 100” o lugar mais desejado é junto à janela, apesar de tal nem fazer tanta diferença assim.
Calor com cara de vingança, é isto aqui. É como fogo vindo das profundezas. Como se o carvão estivesse em brasa e ninguém sabe ao certo porquê. Se alguém tinha alguma dúvida, o calor do inferno já cá está. Instalou-se com vagas de temperatura impressionante, onde nem a sombra nos pode valer.
O sol aqui se excede em alguns momentos. É difícil aguentar o calor do sol directo, sem nuvens, morrer fulminado por uma rajada que atravessa o solo e atinge a camada de carvão.
O tronco das árvores seca, racha, cicatriza. As plantas ficam sem movimento. O vento seco espalha o calor desestimulando qualquer verde.
É nessa fornalha viva, assim mesmo, que os homens como Matenga trabalham. Erguem paredes, misturam massa, soldam aço, derretem asfalto, britam pedra, varrem ruas, capinam o chão e cavam a terra para lançar a semente logo que as primeiras gotas de chuva caírem.
Matenga não está nem aí para o sofrimento dos outros, senão o tijolo nunca mais queima. Por entre o amassar o barro, formatá-lo e finalmente atirá-lo ao forno, produz em si mais calor que nem as gotas de suor são suficientes para contabilizá-lo.
Mas está ali, firme a cicatrizar a sua pobreza, a queimar o carvão nesta sucursal do inferno.
É dos poucos homens que faz justiça aos que ali nasceram. Ao invés de migrar, preferiu explorar os recursos da terra para fazer riqueza, para agigantar mais a cidade sobre o carvão.
São mais de oito horas por dia quase metade passada sobre o sol escaldante. Lida com a pá, com o ponteiro e marreta, ou mete carvão nos fornos que na hora do sol forte tiram fogo, literalmente. O calor, por ora, parece irrelevante.
Ele gosta de assistir a tempestade chegar ao fim do dia e o sol quando se põe, anunciando uma nova fornalha para o dia seguinte.
O brilho dos raios sobre as nuvens emprestam um espectáculo de fogo que se esforça por não perder. Meia hora depois o sol finalmente se despede, deixando para trás a brasa ainda acesa.
É impossível resistir a este quase inferno. Dá preguiça, mata-nos lentamente só de pensar em ter que enfrentar mais um dia neste excesso de calor com cara de vingança.