Quarta-feira, 1 Maio, 2024
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Literacia mediática como estratégia para a eficácia da comunicação pública (1)

Por Jornal Notícias
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Júlio Manjate*

 “Comunicar foi e continuará a ser mais do que o simples informar. Comunicar é tornar possível que os homens reconheçam outros homens; que reconheçam o seu direito de viver e pensar diferente, e que se reconheçam a si mesmos nessa diferença; ou seja, que estejam dispostos a lutar pelos direitos dos outros, já que nesses mesmos direitos, estão inclusos os deles próprios.” (Martin-Barbero – In Moraes, 2003:70-71)

  1. INTRODUÇÃO

A OPINIÃO emitida por um cidadão reflecte o conhecimento que tem sobre o assunto em causa. Ou seja, quanto mais e bem informado estiver este cidadão, mais lúcida será a sua opinião. Daqui, resulta claro que uma comunicação de qualidade é essencial na construção de uma sociedade democrática, onde a opinião do cidadão não só reflecte a dimensão real dos seus anseios e preocupações, como também sinaliza a direcção que devem tomar as decisões mais importantes da vida na comunidade.

Tradicionalmente, a média formal sempre chamou a si a tarefa de facilitar a comunicação através do Jornal, da Rádio e da Televisão, embora na verdade o Homem tenha várias outras soluções para transmitir as suas experiências, conhecimentos e influências.

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Hoje, com o desenvolvimento tecnológico a induzir novas práticas na comunicação, o trabalho dos média está a tornar-se cada vez mais imediatista, pressionado pelo tempo e pela crescente demanda de informação pública ou, se quisermos, de respostas aos problemas do quotidiano. Esta há-de ser uma das razões por que assistimos a uma tendência de “produção industrial de informação”, que chega facilmente ao público consumidor mercê da ubiquidade das plataformas digitais[1].

Este frenesim cria entre os jornalistas um automatismo que propicia a fragmentação da realidade em episódios facilmente isoláveis e difíceis de ser relacionadas uns com os outros

Um dos maiores perigos trazidos por esta situação é que os profissionais da comunicação vão se afastando da responsabilidade que devem ter pelo produto que ajudam a confeccionar para alimentar o público.

Outra consequência destas mediamorfoses é termos o cidadão alimentado apenas com “sinais, com traços da informação que cada um daqueles fragmentos da realidade porventura deixou na sua memória. Este cidadão não será capaz de recordar nada do que acabou de consumir na imprensa, nem terá conhecimento para aplicar tal sabedoria em outros casos semelhantes…” (Marcondes, 2002).

Definitivamente, este cidadão não estará preparado para contribuir com responsabilidade no debate público, que entendo ser um dos esteios da verdadeira democracia.

A comunicação pública deve, pois, ter em vista desenvolver nos cidadãos uma postura crítica e responsável no debate sobre assuntos de interesse comum. Ela precisa ser consciente, fluída e sobretudo adaptada às necessidades dos cidadãos.

O objectivo deste trabalho é convocar uma reflexão sobre como envolver a escola, em particular a universidade, na conversão dos problemas que a comunicação pública enfrenta hoje, em oportunidades para reconfigurar o seu papel na construção de cidadãos capazes de exercer cidadania plena, indagando e questionando toda a informação que lhes chega para consumo.

  1. LITERACIA: ABORDAGEM TEÓRICO-CONCEPTUAL

Das várias abordagens sobre o conceito de Literacia, convoco pelo menos três que considero ajustadas a esta reflexão.

A primeira aponta a Literacia como a capacidade de utilizar a informação escrita e impressa para responder às necessidades da vida em sociedade; para alcançar objectivos pessoais e para desenvolver conhecimentos e potenciais próprios[2].

A segunda perspectiva olha para a Literacia como a habilidade de compreender matérias, ler criticamente, usar materiais complexos e aprender por si mesmo[3].

Na década de 1990, um estudo intitulado “A literacia em Portugal: resultados de uma pesquisa extensiva e monográfica”[4] trouxe uma nova abordagem sobre o tema, destacando que Literacia não tem a ver com o saber o que é que as pessoas aprenderam ou não, mas sim com o saber o que é que, em situações de vida, as pessoas são capazes de fazer com o que aprenderam.

Um aspecto destacdo neste estudo é que, durante muitos anos, os baixos níveis de literacia das populações foram associados a baixos níveis de escolarização. No entanto, estudos recentes mostram que um elevado nível de escolaridade nem sempre corresponde, em absoluto, a um nível também elevado de competência literária, ou seja, um diploma universitário, por exemplo, não reflecte, necessariamente, o perfil de literacia do seu detentor.

  1. PODE A LITERACIA MEDIÁTICA SOLUCIONAR A NOSSA VULNERABILIDADE ?

Em Janeiro de 1982, educadores, comunicadores e investigadores de 19 países reunidos em Simpósio, na Alemanha, sob os auspícios da UNESCO, adoptaram a chamada DECLARAÇÃO DE GRUNWALD, motivados pelo reconhecimento da omnipresença dos média no mundo contemporâneo, mas sobretudo da importância da comunicação no desenvolvimento da cidadania.

Nos termos da Declaração, a maioria dos sistemas educativos faz pouco para promover a educação para os média ou, se quisermos, a educação para a comunicação.

A Declaração de Grunwald convoca para uma acção global de educação para os dia, desde o ensino pré-escolar ao ensino universitário e educação de adultos, como parte de um processo de preparação dos cidadãos para uma maior competência na utilização dos média electrónicos e impressos, sugerindo que tal inclua a análise dos conteúdos mediáticos e a utilização dos média como meios de expressão criativa.

Propõe igualmente o desenvolvimento de cursos de formação de professores e outros agentes educativos no sentido não só de melhorarem a sua compreensão sobre os média, como para adoptarem métodos de ensino apropriados.

Destaca ainda a necessidade de se estimularem actividades de investigação e desenvolvimento em prol da educação para os média a partir de disciplinas como Psicologia, Sociologia e Ciências da Comunicação, além de incentivar a cooperação entre os países nesta área.

Ora, definitivamente, a Literacia Mediática é de uma importância crucial e decisiva para as sociedades contemporâneas, nomeadamente para o desempenho da democracia.

Tal como pontua Matteo Zacchetti (2011), Literacia Mediática é uma questão de inclusão social na sociedade da informação e do conhecimento; um pré-requisito essencial para uma cidadania activa e plena.

*Jornalista e Docente Universitário. Comunicação apresentada no Seminário de Comunicação da Universidade Eduardo Mondlane (Agosto.2022)


[1] Rafael Miramoto (jornalista brasileiro), In: “Jornalismo do senso-comum: possíveis contribuições da teoria da complexidade para a mudança, da cabeça bem cheia à cabeça bem-feita no jornalismo”.

[2] Kirsch, Jungeblut, Jenkins e Kolstad, Department of Education, National Center for Education Statistics.

[3] Helen Lyman, Professora Emérita na University of Wisconsin-Madison

[4] Ana Benavente (Coord)

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