Segunda-feira, 29 Abril, 2024
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HOSPITAL AL-SHIFA DE GAZA: Cemitério de vidas, sonhos e do futuro dos palestinos

Por admin-sn
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REDACÇÃO INTERNACIONAL, com Agência Lusa

EZZ El-Din Lulu sonhava ser médico e já estava no quinto ano de Medicina quando começou a guerra na Faixa de Gaza, mas agora depara-se com o Hospital Al-Shifa, o maior no enclave palestino, destruído como os seus sonhos.

LITERALMENTE SEM FUTURO

Era no Al-Shifa que Ezz estudava e esperava um dia trabalhar. Após a operação militar das forças israelitas dentro do complexo médico, que durou duas semanas, o hospital ficou em ruínas. “Literalmente não temos futuro, Israel destruiu-o completamente”, diz Ezz num vídeo filmado após a retirada das forças israelitas.

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Nas imagens, o edifício que outrora albergava grande parte das especialidades médicas disponíveis em Gaza, com capacidade para 800 camas, é agora um esqueleto queimado, esburacado por balas e tiros de tanques. No pátio e corredores exteriores onde as ambulâncias entravam e saíam desde 1946 veem-se montes de escombros que os médicos, enfermeiras e familiares das vítimas escalam com cuidado e luto, como que à procura de uma resposta. Alguns procuram os restos mortais de familiares desaparecidos.

As autoridades palestinas dizem que Israel matou 400 pessoas dentro e à volta do campus hospitalar durante as duas semanas de cerco, incluindo mulheres, crianças e médicos, para além de mais 350 pessoas que foram detidas, incluindo pacientes e profissionais de saúde.

No relatório publicado após o fim da operação, Israel diz que matou 200 militantes do Hamas e que prendeu mais de 900 suspeitos de estarem ligados ao grupo, uma acusação rejeitada pelo Hamas.

O exército israelita diz que operou de forma “precisa” para eliminar membros do Hamas, encontrar armas e documentos e prevenir danos a “civis, pacientes e equipas médicas”.

No entanto, os testemunhos de sobreviventes e membros de organizações de ajuda humanitária revelam um cenário catastrófico. Vídeos publicados nas redes sociais filmados após a retirada dos israelitas mostram corpos em decomposição de mãos atadas atrás das costas ou esmagados por bulldozers.

DESTRUIÇÃO MACIÇA

Durante duas semanas as forças israelitas cercaram o hospital, impedindo a entrada e saída de qualquer pessoa, e obrigaram as equipas médicas a levar todos os pacientes para a ala administrativa.

Ezz El-Din estava dentro do hospital a trabalhar como voluntário aquando do ataque das forças israelitas. Durante o cerco o estudante foi publicando vídeos nas redes sociais a detalhar que tanto médicos como pacientes estavam sem acesso a água, comida ou electricidade há vários dias, ao mesmo tempo impedidos de sair e ameaçados de serem bombardeados se ali ficassem.

A médica Amira Al-Safadi, também vítima do cerco, diz que o exército obrigou o staff a transferir os pacientes com tempo limitado e sob ameaça.

“Havia mais pacientes, mas morreram, estavam nos cuidados intensivos e não os conseguimos ajudar”, diz a médica, que agora está noutro hospital a cuidar dos pacientes sobreviventes.

Israel diz que a operação foi um sucesso. As autoridades palestinas acusam Israel de “crimes de guerra”. Pelo menos 21 pacientes morreram durante o cerco, de acordo com as Nações Unidas, que estão a planear uma missão especial para visitar o hospital, investigar o sucedido e ajudar os feridos.

No entanto, a ONU diz que após várias tentativas os pedidos para avançar com a missão a Al-Shifa têm sido rejeitados.

Enquanto isso, o hospital permanece um fantasma. Um centro médico de prestígio transformado em cemitério.

Mohammad Abu Mughaiseb, da Médicos Sem Fronteiras (MSF), é Doutor em Gaza há mais de 24 anos. Muitos deles foram passados dentro do hospital Al-Shifa. Agora, diz à Lusa, o hospital já não está em funcionamento, e nunca mais vai estar.

“A descrição do que aconteceu em Shifa pode ser resumido a uma palavra: um terramoto. Destruição maciça”, diz à Lusa o médico através de mensagens de voz desde Rafah, no Sul de Gaza. Por trás da sua voz ouve-se o constante e grave zumbido dos drones israelitas.

UM HOSPITAL FANTASMA

“O departamento cirúrgico, a maternidade, a unidade de cuidados intensivos, a unidade de queimados e as urgências foram destruídos”, enumera o médico. Quanto ao staff, diz, a maioria foi detida, alguns algemados e despidos pelo exército israelita, e não há informação sobre o seu paradeiro.

Antes do cerco ao hospital pelo menos 645 pessoas, incluindo profissionais de saúde, foram mortas e centenas foram feridas por ataques israelitas a centros médicos, segundo números da ONU de Fevereiro. Mais de 350 bombardeamentos israelitas resultaram no encerramento de 27 dos 36 hospitais na Faixa de Gaza. As Nações Unidas também têm relatado ataques de atiradores furtivos nas proximidades ou dentro de hospitais.

Os ataques israelitas a unidades de cuidados de saúde também aumentaram na Cisjordânia, onde o Hamas não opera: a ONU conta mais de 346 ataques a centros de saúde e 10 mortes.

Em Janeiro o Tribunal Internacional de Justiça considerou “plausível” que Israel esteja a cometer um genocídio contra a população palestina, após a África do Sul ter instaurado um processo contra Telavive onde constam os casos dos ataques a unidades e profissionais de saúde.

Abu Mughaiseb mostra-se preocupado pelas consequências brutais da perda do hospital Al-Shifa na Faixa de Gaza a curto e longo prazos. Era ali que se encontrava a maior parte das especialidades médicas, incluindo cirurgia cardiovascular, diálise renal ou cirurgia pediátrica.

“Não consigo imaginar Gaza sem o hospital Shifa. Estamos muito preocupados sobre onde é que os pacientes irão… há uma série de serviços médicos que os pacientes não vão encontrar e a taxa de mortalidade vai aumentar maciçamente”, diz à Lusa.

“Mais de 32 mil pessoas morreram, 70 por cento das quais crianças e mulheres, os hospitais principais de Gaza foram destruídos, já não há lugares seguros, há pessoas a morrer à fome, a situação é catastrófica e está na hora de acabar a guerra”, apela o médico, em Árabe: ‘khalas’, basta!”

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