Terça-feira, 3 Dezembro, 2024
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CÁ DA TERRA: Um porco espião

Por Osvaldo Gemo
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osvaldoroque7103@gmail.com          

As cidades são locais onde residem milhares de pessoas e por isso mesmo muito movimentadas. As ruas, edifícios, parques, drenagens, lagoas e jardins botânicos são também o lar de várias espécies de animais selvagens que amiúde invadem locais que eram improváveis encontrá-los.

O facto das cidades abrigarem espécies selvagens não é surpreendente, considerando que muitas delas desenvolveram-se em ambientes ricos em biodiversidade, para além de que nas grandes urbes como Maputo também há locais preservados como é o caso do que vai acolher, proximamente, o Parque Ecológico de Malhazine.

Tirando estes casos, há muitos bichos que convivem com os humanos nas cidades, entre os quais alvitram os pássaros, lagartos e muitos outros com disposição genética para se adaptar, em razão da sua dieta variada ou ciclo reprodutivo.

A ameaça à biodiversidade causada pelo crescimento urbano é, portanto, muito real. No entanto, a natureza nem sempre se rende.

Vimos, estupefactos, a recente invasão do corvo indiano que até há bem pouco tempo era tido e achado apenas em Inhaca, por sinal uma ilha, o que pode ser explicado, eventualmente, pela proximidade ou ainda por mera sobrevivência, dado o rápido crescimento da população neste lugar insular que pode ter dado razão à redução da disponibilidade de alimentos.

A presença reduzida da caça, diversidade de habitats, os invernos mais amenos e a disponibilidade de água e alimentos ao longo do ano acabaram favorecendo o estabelecimento de animais e plantas em busca de novos espaços.

Porém, nem todas as espécies são adequadas para a vida na cidade e o caso do corvo indiano é crítico.

Contra todas as previsões, o porco do mato (muitos chamaram de Javali) também cá veio experimentar a sua vez. Certamente vinha sondar o ambiente para estabelecer a sua prole. Pena que muitos de nós não soubemos se estava ou não prenha, se era macho ou fêmea. Isso só teria sido possível se os veterinários ou quem de direito tivessem se antecipado àqueles malditos marinheiros.

Pelo andar das coisas, não faltava muito para ver os porquinhos a chafurdarem nas sem número de crateras em plena Eduardo Mondlane, por sinal uma das avenidas que tinha eleito como favorita ou a esgravatar as lixeiras que a maior parte do tempo estão a transbordar.

Correr na rua já se tinha tornado um potencial perigo. Quem vê esse pessoal animado, de calção, sapatilhas e garrafinha de água na mão, nem imagina que numa cidade pode haver um sem número de ameaças, não só dos cães vadios, como também já se tinham somado os porcos do mato. Quem sabe se os perigos ainda estão aí à espreita, nas formas menos esperadas?

É um paradoxo. A urbanização é uma das principais causas da destruição da biodiversidade e, ainda assim, actualmente as cidades servem de refúgio para espécies selvagens cujos ecossistemas naturais foram degradados.

Estamos em Maputo, a capital, não é lugar para animais selvagens, pensava eu. Enganei-me redondamente.

Não interessa agora saber de onde veio o porco selvagem nem as circunstâncias da sua aparição. Mas ficou muito feio ver marinheiros a “pescarem” o pobre animal. Deviam tê-lo deixado viver, queríamos ver uma coisa.

Aliás, se as autoridades não sentiram alívio por lhes ter sido tirado mais um problema por resolver, deveriam cobrar explicações a quem matou o pobre animal, para que a moda não pegue. O melhor a fazer seria capturá-lo e devolvê-lo ao seu habitat, a não ser que caímos todos na teoria que associava o bicho à superstição, menos os marinheiros que tomam banho com sal, diariamente. Tivemos aqui um espião das nossas imperfeições e não soubemos como encarar o problema.

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